25/04/2010

Cotovia

Canta a cotovia
o zumbido das abelhas
sobre pólenes pueris
gastos pelo vento
que puxa o novelo
do saiote que
veste a serra
imersa no sangue
da bola de fogo
que raia no horizonte,
como amantes distraídos
sob o signo de Vénus
ao som do violoncelo
que despe as cordas
em tremor aturdido
num banho de mel,
mosto e chuva,
canta a cotovia
que alegra o meu dia!

texturas

Não sei de mim
quando te ausentas
e com o teu vazio
me atormentas...

risca o fósforo
na ardósia minha...

grito do xisto...

feiticeira...

...filha da terra e dos céus,
macerada no ritual devasso,
explosão de letras lúbricas,
Ísis, noviça do culto...
são suas, as tranças
que decoram os teus ombros nus,
as pupilas que ardem
nas tuas mãos ávidas,
as promessas quietas
que sabes conquistar.
Enche as mãos em concha
com o sopro da vida
e nelas cozinha o fogo na pedra.
Promontório de mil demónios,
estocadas de florete
que reclamam: mais!
Feiticeira... Ísis...
encanta e seduz,
tenta e fascina,
cumpre-se o ritual,
fecha-se o ciclo...
magia cuspida
na esfera armilar.

09/04/2010

não?

vencer a distância que se abre entre um sim e um não é tarefa árdua, pirueta que se veste num trapézio sem rede, uma aposta no desconhecido. podemos partir do não para chegar ao mesmo não, ainda que pelo meio tenhamos feito uma corrida de obstáculos, dado o melhor de nós, superado as nossas próprias expectativas. podemos partir do não para chegar a outro não, surdo das nossas razões, cego perante o esbracejar dos argumentos que cultivámos na esperança de uma colheita generosa, compensadora. mas podemos partir de um não aberto à aprendizagem, adepto da diversidade, pronto para um confronto inteligente e educado, sem medo de se sentar a um tabuleiro de xadrez. seria um não-talvez-não-na-mesma, um não-talvez-não-tão-não ou até um não-talvez-afinal-um-sim. nem importa muito se este não passaria a ser um sim, se a distância que se venceu entretanto voltaria a alargar-se ou se, finalmente, se estreitaria. interessa, sim, que as distâncias sejam apenas etapas a clamar pelo melhor de nós e que um não se limite a representar um desafio onde depositamos os nossos esforços para nos habilitarmos a alcançar o não seguinte...

propositadamente sem título

início do exercício...
deixa-os.
deixa-os falar dos meus textos.
apenas exprimem o exercício do inconsciente no modo como me absorveu.
das palavras encadeadas que as minhas mãos teceram convocará cada corpo os pedaços que lhe faltarem.
trazemos do que lemos só o que nos complementa. livramo-nos do excesso para não pesar mais.
não é na massa que está a essência. a essência está aqui... vês? está na luz das letras.
(escuta...)
final do exercício...

mulher-fogo

intrépidos desejos os que querem rasgar o teu peito no zero absoluto. pedra. fóssil. ausente de ti. como se o tu fosse pronome que importasse na ausência do nós. trepadeira negra e hedionda que chicoteia qualquer cão selvagem que tente abocanhar a tua seiva amordaçada. por trás dos foscos vidros embaciados pela fuligem expelida no parto acrimonioso, há uma pequena chama. é um quase nada, minúscula, praticamente invisível, mas está lá! consome o frugal oxigénio que sobrou do delírio ardiloso. mas arde, vive, não esmorece. apenas se resguarda no pousio. e na pastagem liberta das geadas, a mulher-fogo circundará os sóis semeados no sangue primeiro da boca do tempo... segredando: «ontem, não era. o começo é agora!»