30/07/2012

os caminhos

percorremos os veios de vários futuros possíveis quando cogitamos sobre o local situado daqui a uns segundos, mais além do que apenas aqui e agora. nos fragmentos suspensos de luz cristalina que envolvem as palavras que brotam de nós em silêncio há qualquer coisa - como dizê-lo? -, um afeto que não se percebe muito bem, mas que poderíamos fazer equivaler a uma qualquer espécie de amor. são as existências que podem vir a ser e a acontecer. são meros momentos, mas eles definem cada traço do nosso passado e do nosso presente. são as escolhas que fazemos em cada hora, conscientemente ou não! os laços, os afetos, o amor, os amores. por mais racional que uma letra possa querer mostrar-se, tudo o que ela é não passa de amor, porque não há mais nada que importe verdadeiramente para além disso. importa o calor que geramos com um olhar doce e fugaz, o sorriso que provocamos quando fazemos nascer um brilho especial dentro de nós, o sossego do infinito deitado sobre lascas de paz de cada vez que te amo, em cada momento que vos amo.
inquieta saber que essas escolhas podem levar-vos para longe ou trazer-vos para perto. o cálculo a par do caminho não parece combinar com o calor dos afetos. mas os passos impetuosos também não são a certeza de nada importante. exercícios ferozes de ligações acústicas preenchem o espaço delicado que nos envolve, a teia de calor que nos une. como a eletricidade estática, criam um pano de fundo perturbador da sequência infinitesimal do amor, como se tivesse de ser assim, como se fossemos capazes de discernir o calor apenas deste modo. perturbar para fazer ver, deixar de ter para saber quanto vale. escadaria interminável. ilusão ótica que nos faz subir ou descer. e somos obrigados a ir a algum lado? não podemos quedar-nos num canto, em silêncio, até que passe, até que finde? temos mesmo de ouvir os sinos trovejar e a chuva a regar as nossas temperaturas num quadro fantástico de ilusionismo realista? entre o começo e o agora, já passei por tantos locais diferentes... em alguns, encontrei tanto calor, tanta ternura, que nunca imaginara ser possível neste quadrante do universo. sustentáculos da respiração das pedras, do sangue que nos percorre, da alma de que somos meros guardiães. cuidai de saber que o amor se aprende e se constrói, e que as fragilidades que aparenta possuir nos dias em que o inverno nos colhe nas suas asas, mais não são do que as paredes-mestras dos segundos que escolhemos percorrer.

o lobo

movia-se como um lobo, por entre as multidões de rostos multicolores que o circundavam em cada instante. não tinha alcateia. por opção! queria correr todas as estepes que pudesse encontrar. só quando o mundo já não tivesse outro canto virgem de amparo para lhe oferecer, que reclamasse os seus cuidados, é que retomaria o curso natural da vida impresso nas suas partículas mais ínfimas. isso podia nunca vir a suceder, mas não era coisa que o preocupasse neste momento da sua existência.
agora, tinha sonhos a cumprir, sorrisos de crianças para colher, plantas para regar. era o suporte de uma complicada teia de afetos, o sustentáculo de um intrincado novelo de necessidades comunitárias. atuava onde normalmente faltava sempre alguém, alguma coisa. onde a falta era palavra constantemente presente. onde a necessidade era o estado mais evidente! onde a nudez de afetos o faziam duvidar da humanidade de todos nós, da omnipresença de um Deus que era suposto estar de vigília, atento... ainda assim, acreditava Nele. porque já tinha vivido demasiado, já tinha visto muito e a vida não podia ser sem Ele! e gostava de ler os Evangelhos, com a mesma fome de quem gosta de devorar os textos literários abundantemente produzidos e editados nos nossos dias.
quando estava só (embora nunca estivesse verdadeiramente só), agarrava-se à guitarra e através dela entoava toda a extensão da sua alma. sisudo, apenas lhe conheciam sorrisos aqueles que ele raramente deixava que se aproximassem. não raras vezes, refugiava-se dentro de si, como se em luto de um passado doloroso que não queria que reaparecesse, com se em busca de complementos do que quer que fosse que conseguissem reunir os fragmentos em que se dividira a sua pessoa.
movia-se como um lobo, por entre a vida que o trespassa a cada instante. sentia que assim conseguiria enganar a solidão imensa que parecia querer tragá-lo de uma só vez, apartá-lo dos seus entes queridos.
movia-se como um lobo. a sua alcateia era a vida. as suas estepes, o mapa de todas as mãos que o percorreriam para nunca mais o esquecer...

sem saber

são as tuas mãos que procuro no sangue quente que me percorre, mas ao tentar alcançá-las, foges para local distante, para um sonho que não tem fim, para um tempo em que eu própria duvido de mim. os teus olhos de mel beijam-me os lábios e perdem-se no fio das horas revoltas. dois barcos em alto mar. e a tempestade que nos invade. chuva densa e fria onde os nossos corpos se procuram às cegas. fazemos amor. sem saber, somos já labaredas.
aqui tão longe, tu estás perto. ondulas, magnético, sobre os meus poros. perdi-me. perdi-me em ti.