17/01/2010
















sobre a laje desfolharam-se as asas do pequeno anjo, de semblante sisudo, adormecido na frieza das lágrimas de pedra. Não estava pronto! Não sabia como ir! O pequeno corpo jazia cinzento em sepulcral silêncio, contrastando com a castidade da aura que lhe estendia os braços e espargia afagos mornos sobre o cadáver. Ardiam-lhe ainda no sangue as bofetadas e os pontapés distribuídos gratuitamente pelo seu corpo, dia após dia, noite após noite, apenas porque sim e por razão alguma. Não sabia que podia voar... ainda! Ecoava no desvão da memória, envolta em nevoeiro e chuva, bem perto, o azedume das palavras proibidas e assassinas com que era vergastado pelo hálito etílico, pelos olhos inchados de narcóticos («A culpa é tua! Sai-me da frente, paspalhão... não serves p'ra nada! Monte de esterco!»). Doíam-lhe mais os impropérios aviltantes que as nódoas negras e os hematomas cirurgicamente esculpidos em cada esquina do seu corpo. Uma das estrelas desprendeu-se da abóboda celeste e planou suspensa no tempo... sobrevoou o pequenito - que se chamava como todos os meninos se chamam - e desfez-se em pó cristalino que fez nascer mágicas gotículas de orvalho nos lábios do pequeno anjo. Não conheceu o amor, mas sabia amar... e pôde voar, voar, voar... anjo meu!
Na lápide, apenas um nome e duas datas, próximas demais para deixar qualquer um indiferente!

2 comentários:

Joaquim Marques AC disse...

Joana Roque Lino

Felizmente que reconsiderou e voltou a publicar.
Este texto é muito bonito e eu já o tinha comentado no saudoso "8ª Edição!
Desejo-lhe tudo de bom.

Joaquim Marques

Joana Roque Lino disse...

Obrigada, Joaquim, pela sua sempre constante simpatia. JRL